Uma das unidades da Pousada Garoa, localizada na cidade de Porto Alegre, pegou fogo na madrugada de sexta-feira (26/4). O incêndio deixou 10 mortos e a preocupação com pessoas em situação de rua, que habitavam o local. A tragédia exigiu maior atenção das autoridades para políticas de assistência social que de fato atendam essa parcela da população, reforçando o papel do profissional de arquitetura e urbanismo a fim de assegurar o mínimo existencial como abrigos seguros e habitáveis, indispensável para garantir a dignidade da pessoa humana.
A Lei de Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019) do Governo Federal, em seu artigo 3º, inciso 1, liberou a exigência de alvarás para o funcionamento de alojamentos e pensões. A norma ganhou versão municipal que foi regulamentada em decreto pela atual Prefeitura, retirando a exigência do documento para atividades de baixo risco, como era o caso da pousada.
Além de não ter alvará, o prédio incendiado não tinha Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI), de exigência dos Bombeiros, no qual funcionava desde 2019 como escritório.
Conforme a publicação “Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil (2012-2022)”, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população em situação de rua no país cresceu 38% entre 2019 e 2022, sendo um total de 281.472 pessoas. O crescimento de tais números não é somente um problema de saúde pública, mas também de moradia digna, cuja Lei de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (ATHIS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) operam por meio de profissionais arquitetos, urbanistas e engenheiros na melhoria de vida dessa parcela da população.
Dever do Estado e direito da população, o SUAS presta atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade, independente de Contribuição à Seguridade Social, conforme artigos 203 e 204 da Constituição Federal. Tal cuidado inclui proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa com deficiência.
Para Andréa dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), “as múltiplas tragédias para com a população de rua poderiam ser totalmente evitáveis caso houvesse um diálogo mais estreito entre as autoridades dos governos vigentes e entidades sindicais de arquitetura e urbanismo, uma vez que a população de rua tem direito à moradia digna como todo e qualquer cidadão”.
O vice-presidente da Federação, Maurilio Chiaretti, destaca que “a FNA defende a arquitetura e o urbanismo com serviço social e que esse serviço esteja elencado junto ao SUAS e toda rede de serviço social”.
“A tragédia que aconteceu em Porto Alegre, pode acontecer no Brasil inteiro. As estruturas de atendimento à população de rua carecem de fiscalização e habitabilidade mínima para as pessoas dormirem bem e se recuperarem dos danos que sofrem, da violência das ruas”, acrescenta Chiaretti.
A implantação de políticas públicas que incluam a arquitetura, a segurança, o saneamento e as condições de habitabilidade para os equipamentos de atendimento à população em situação de rua, dentre outros, é um pilar essencial para resolver essas questões. Logo, é urgente a contratação de arquitetos, engenheiros e técnicos ligados à área da construção civil que possibilitem o oferecimento de espaços melhores para a população de rua.
De acordo com Anderson Lopes Miranda, coordenador geral do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP Rua), “os Estados e municípios precisam criar os comitês. O CIAMP monitora, fiscaliza e acompanha as políticas do âmbito municipal à federal para a população de rua. O que aconteceu é uma calamidade pública e nós temos que lutar para que se tenha moradia digna, com arquitetos e urbanistas que construam moradia digna para essa população. que planejam e organizam. Para implementar políticas públicas, iniciativas como essas precisam ser de responsabilidade de todos.”
A assistência social terá resultados mais satisfatórios ao incluir a arquitetura e urbanismo na lista dos serviços sociais reconhecidos pelo SUAS, como conclui Chiaretti:
“É necessário reconhecer urgentemente a arquitetura e urbanismo como serviço social, inserida na lista de serviços oferecidas pelo SUAS no atendimento da população de rua, para que os profissionais ligados à construção civil possam elaborar projetos e acompanhar obras de adequação dos equipamentos, considerando sua segurança, habitabilidade, funcionalidade e todas as questões pertinentes à qualidade de vida nos espaços construídos. Sem isso os abrigos e demais equipamentos ficam sujeitos a tragédias como a que aconteceu na capital gaúcha, trazendo risco de vida que, ao invés de ajudar, atrapalha a ressocialização e garantia do direito à vida desse público.”
Foto: Fabiano do Amaral