O aumento dos episódios de desastres naturais que vitimaram diversas comunidades brasileiras em 2023 expõe um papel urgente a ser ocupado por arquitetos e urbanistas. Os profissionais são vistos como agentes de transformação tanto na prevenção de novas ocorrências quanto na mitigação de seus impactos e na reconstrução das cidades atingidas. A tônica foi abordada na primeira mesa do 1º Seminário Nacional FNA de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas, realizado em São Paulo (SP) na quinta-feira (30/11). O evento seguiu na sexta-feira (1/12), antecedendo os debates do 47º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas, que ocorreu até domingo (3/12). “O diagnóstico da FNA é que temos que nos inserir nessa pauta porque ela é muito importante. Essa crise que estamos vivendo tem uma origem, que não é nas pessoas, mas no modelo capitalista em que vivemos, onde a ganância impera. Existe uma falta de comprometimento das grandes empresas em reverter o prejuízo causado ao meio ambiente”, ponderou o vice-presidente da FNA, Maurilio Chiaretti.
Conduzida pela diretora do SASP, Marinéia Lazzari, a mesa tratou de recentes episódios como as inundações do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, deslizamentos no Rio de Janeiro e no Acre e riscos derivados da mineração em Alagoas. “O governo sabe o que está acontecendo, a população sabe. Quero provocar para que façamos um documento da FNA ao governo federal estadual provocando e colocando nossa posição a esse problema que não é do Brasil, não de São Paulo. É um problema global de todos nós”, desafiou a presidente da FNA, Andrea dos Santos. A proposição apresentada foi validada pela mesa e será levada para a plenária da FNA no domingo.
A arquiteta e urbanista Eloisa Giazzon, de Caxias do Sul, defendeu a urgência da realização de uma gestão de risco integrada, que trabalhe com um conjunto de decisões e conhecimentos necessários para a prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação em ciclos contínuos. Isso porque a própria reconstrução precisa ser pensada como forma de prevenção. O pensar a cidade e seu crescimento precisa levar em conta um viés técnico de forma a evitar construção em planícies de inundação ou em áreas de vulnerabilidade como encostas de alta declividade. Problema que também passa por um equilíbrio das diversidades sociais, uma vez que as comunidades dessas regiões geralmente são as que enfrentam maior vulnerabilidade social. “É preciso reduzir a exposição e a vulnerabilidade das comunidades, orientar a população de forma a reduzir danos humanos e materiais e salvar vidas”, disse Eloisa, lembrando que o desafio é compreender, fortalecer e reconstruir melhor. E disse mais: o papel do arquiteto é muito importante nesse pensar a cidade e não podemos fazer uma obra em um terreno em um retângulo sem pensar onde ele está inserido, de onde vem as águas. Essa análise é essencial para superar esse contexto que não tem um prognóstico muito favorável.
A construção desses planos de vulnerabilidade, alerta o especialista em infraestrutura da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União, Celso Santos Carvalho, precisa ser feita ao lado das comunidades que conhecem a região. “O mapa de risco tem que ser feito junto com a comunidade. O técnico não sabe o que acontece na hora da chuva, o cara local viu”, frisou. E lembrou que o grande instrumento para a transformação que as cidades brasileiras precisam é a Lei de Athis. Também defendeu a organização de autodefesa das comunidades.
Representando o BR Cidades, o arquiteto e urbanista Fernando Botton falou sobre o uso da água e sua mercantilização. “Temos que fazer escolhas de que cidades queremos construir, que cidades que são viáveis. O momento é de escolha, de ação”
Para o arquiteto e urbanista da Sem Muros Arquitetura Integrada, Tomaz Lotufo, avaliar o papel da arquitetura nessa realidade é essencial. “Não adianta colocar placas no telhado e achar que resolveu o problema. Há muitas relações que precisam ser trabalhadas que não são diretas”, sugeriu. O profissional citou a relação do uso de energia na escolha dos materiais, mencionou a aplicação exagerada de cimento e seu impacto nas comunidades onde é fabricado, o império do design, a dependência do setor da construção e o impacto da cultura de consumo nesse cenário. “Somos minerados. Transformamos recursos em poluição. Precisamos de ferramentas para pensar como se transita por uma cultura ecológica. Onde recurso vira recurso, onde recurso não vira poluição”. Para isso, recomendou Lotufo, é urgente sairmos dos muros das universidades, dos escritórios e trabalhar em locais onde há vulnerabilidade, onde se sofre o impacto das mudanças climáticas e onde a arquitetura não chega. Lotufo apresentou o projeto Canteiro Móvel e sua ação em comunidade escolar no IDE Masterplan, em Botucatu, São Paulo.
Foto: Carolina Jardine