Os fatos vivenciados só ganham a real dimensão quando submetidos às devidas análises do processo histórico em que estão inseridos, necessitando muitas vezes, do necessário distanciamento do fato em si para que os agentes compreendam a situação no tempo atual e sua possível projeção no futuro. O comum aprendizado das ciências sociais nos traz que “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa” (Marx), e isso nos mostra o quanto é necessário que os agentes não negligenciem o processo histórico no momento de uma tomada de decisão.
Nesse sentido torna-se importante o conceito da Cerca de Chesterton, onde o filósofo inglês Gilbert Keith Chesterton (1874–1936) estabelece que “você nunca deve destruir algo, mudar uma regra ou alterar uma tradição se não entender por que ela foi criada”. Uma cerca não nasce num determinado local, ela é implantada com uma finalidade, sem ter a devida compreensão do porquê aquela cerca ali foi colocada, a sua derrubada pode trazer diversos efeitos negativos.
Colocando o devido distanciamento da última plenária do CAU/SP, que elegeu o seu novo corpo diretivo, é possível tecer alguns comentários diante do que se pode assistir no vídeo disponível no canal da entidade no Youtube. Aliás é importante agradecer o conselho por deixar esse registro histórico nas redes sociais, principalmente com a possibilidade de ler os comentários efetuados no chat ao longo da exibição do vídeo. Naquela plenária a eleição da função de presidente teve uma disputa muito apertada, com 39 votos foi eleita a representante da chapa 02, com a candidata da chapa 01 obtendo 37 votos, computando a abstenção de uma conselheira temos o total de 77 votantes.
No início da plenária havia um acordo entre a chapa 03 e parte da chapa 01, contabilizando 40 votos e assim foram indicados uma conselheira da chapa 01 e um conselheiro da chapa 03 para disputar a presidência e a vice do CAU/SP, respectivamente. Aqui é preciso corrigir o comentário feito por um colega no chat da transmissão, que nomeou uma das candidatas como representante de um conselheiro, parece que o colega não entende de política pois a conselheira indicada pelo grupo que representa a chapa 01 NÃO era candidata deste ou daquele conselheiro, mas sim REPRESENTAVA naquele momento um grupo político, que tinha um acordo para elegerem o corpo diretivo do CAU/SP, política se faz com propostas e acordos.
Agora fica a pergunta: por que o acordo não foi efetivado? Ora como dizem velhos políticos, acordos são feitos para serem quebrados. Talvez essa possa não ser a simplificação que define o que ocorreu, porém é senso comum que as pessoas votam naquilo ou naqueles que acreditam ou que lhes proporcione algum benefício, muito comum entre as câmaras municipais, estaduais ou no legislativo federal a prática do “dá cá toma lá”, e isso fica claro quando se olha a votação para eleger os coordenadores e seus adjuntos nas dez comissões ordinárias, é o exemplo do centrão fazendo escola. Infelizmente esse aprendizado com o centrão produziu atitudes grotesca como por exemplo uma conselheira recebeu a seguinte mensagem no seu WhatsApp: “temos uma proposta da nossa Chapa para vc, caso te interesse. Temos os votos para vencer. Se vc fizer a abstenção do voto, temos espaço para composição na gestão”, mais centrão que isso não existe. Estranho é que mesmo feito a manifestação: “Temos os votos para vencer”, a pessoa interpela a colega na plenária com a opção de uma vaga na gestão, deixando a seguinte pergunta: quantas mensagens dessas foram enviadas? Dificilmente se saberá, pois a vergonha impedirá que surjam manifestações sobre isso, porém mais que vergonha as pessoas precisam respeitar aqueles que as elegeram para a função de conselheiro.
Na eleição para a função de presidente do conselho tivemos uma diferença de apenas dois votos, reflexo do que foi abordado acima, mas na eleição do vice-presidente, as eleições ocorrem separadas, a indicada da chapa 01 obteve 48 votos e o indicado da chapa 03 obteve 29 votos, ou seja, apenas cinco conselheiras daquele grupo político da chapa 01 horaram o que havia sido acordado. Como sempre, o princípio da sobrevivência fala que os primeiros a abandonarem um barco que afunda, terão mais chance de sobreviverem, nesse caso, a sobrevivência é a própria salvação política daquelas que formavam a chapa 01. Porém, o que é mais importante é ver que ainda existem pessoas de valor que cumprem acordos independente do resultado, respeitar a palavra empenhada é o que dignifica o ser humano, exemplificado por aquelas cinco conselheiras que somaram seus votos com os da chapa 03.
No período da tarde, quando da eleição dos coordenadores e adjuntos das comissões, esse placar foi quase que uma unanimidade, a salvação da chapa 01 estava posta, agora conseguiram revitalizar o que foi a direção do CAU/SP na gestão passada. Porém surge mais uma estranheza, agora na composição das comissões, onde conselheiros que já vivenciaram outras gestões do conselho, e com grande conhecimento de temas específicos, foram preteridos da coordenação de importantes comissões, outras conselheiras que têm uma vida dedicada a importantes temas do conselho não figuram na coordenação. Nem sempre esse tipo de combinação política consegue premiar a capacidade ou competências específicas, assim, enquanto imperar na sociedade o conceito do “dá cá toma lá”, dificilmente a nossa política, seja ela partidária ou não, premiará os mais valorosos e ou se preocupará com os destinos das entidades e governos.
No período da campanha eleitoral, verificou-se que parcela do eleitorado entendia que a gestão, terminada em 2023, era uma tragédia e essa interpretação ganhou mais adeptos quando dos problemas que geraram o cancelamento das eleições e sua posterior prorrogação. Mas a tragédia da gestão ganha sua forma diária quando o sistema que gera documentos para os profissionais não tem um adequado funcionamento causando prejuízos a eles; quando permite que leigos sigam atuando na profissão diante de uma tímida fiscalização para coibir esses atos; quando escritórios descentralizados ampliam as distâncias do conselho e seus profissionais ao permanecerem atuando de forma online; ou quando veículos ficam guardados em estacionamentos, gerando cada vez mais custos, ao invés de circularem por cidades, não contribuindo para que o CAU/SP exerça suas principais funções, Fiscalizar e Disciplinar a profissão.
A revitalização da gestão anterior, produzida na plenária do último dia 11/01/2024, será entendida por muitos como a segunda repetição da história, agora como uma farsa. Por certo não tem o mesmo poder do 18 Brumário do Napoleão III, mas de uma maneira geral terá o efeito semelhante. A farsa começa com o não “respeito ao resultado das eleições”, em que o pleito indicou um certo equilíbrio das escolhas, cada chapa recebendo entre 31% e 37% dos votos válidos, e o resultado da plenária ofertou 50% do Conselho Diretor para as chapas 1 e 2. A farsa da revitalização de um grupo que viveu os últimos anos numa disputa fraticida, pouco se importando para os reflexos na gestão do conselho, onde duas chapas exigiram a Eliminação da sua oponente durante o pleito eleitoral.
Nas redes sociais é possível ler manifestações sugerindo que o presidente do CAU seja eleito diretamente a partir da chapa mais votada. Nesse tipo de manifestação é preciso olhar para a Cerca de Chesterton e entender que no antigo conselho as eleições do presidente acabavam ficando descoladas dos conselheiros que compunham a plenária, uma vez que eles eram indicados pelas entidades que faziam parte do sistema. A lei que criou o CAU foi discutida sobre a ótica da modernização dos processos visando garantir uma representação republicana, onde qualquer profissional poderia se candidatar e ser eleito dentre outros de uma lista de candidatos, não dependendo de indicação de ninguém. Os conselheiros eleitos passam a compor a plenária e a direção do conselho deveria garantir, republicanamente, a paridade entre as chapas eleitas, na gestão atual novamente teremos 32% dos eleitores não representados no Conselho Diretor.
O relato que se apresenta, não foi elaborado pelo direito de reclamar, ou de forma jocosa do direito de espernear, a preocupação é que esse processo não contribui para a elevação do CAU/SP, tampouco o coloca entre as entidades mais respeitadas na sociedade. Como a sociedade irá respeitar uma entidade quando se dentro da entidade não se estabelece respeito, apelam ao vale tudo pelo poder. A falta de respeito pelas instituições é o melhor caminho para sua destruição, ainda mais quando se vivencia um constante ataque pelo fim dos conselhos e seus regramentos profissionais. Um mundo sem regras é a produção da barbárie. Então quando se fala em processo histórico é preciso garantir que todos os envolvidos conheçam a origem das instituições, as lutas para sua existência e garantam o seu crescimento. Não estamos diante de uma organização que foi criada por meia dúzia de amigos nas mesas de um bar, o CAU tem mais de 50 anos de luta pela sua criação e sempre teve a frente colegas como Miguel Pereira, nosso primeiro conselheiro federal eleito por São Paulo e por tudo isso merece nosso RESPEITO.
Finalizando, o SASP sempre se colocará para representar e defender os direitos e interesses dos arquitetos e urbanistas, pois muito além de ser nossa prerrogativa sindical é a energia que nos move, assim estaremos na plenária ou no CEAU do CAU/SP debatendo e lutando pelos interesses dos nossos colegas, somando a isso a defesa dos trinta e dois pontos que a chapa 03 colocou na sua plataforma. O CAU ainda tem muito o que DESTRAVAR.
Marco A. Teixeira da Silva – Presidente do SASP