Artigo de Ivan Maglio
O substitutivo ao PL 127/20232, que promove a revisão do Plano Diretor Estratégico – PDE, aprovado pela Câmara Municipal em primeiro turno, utiliza uma ilegalidade ambiental para ampliar em 150% a verticalização e o adensamento construtivo nas áreas de influência dos EETU. Não foram realizados estudos ambientais e urbanísticos para avaliar a viabilidade da ampliação dos limites dos EETU, e não estabeleceu pesos e contrapesos, para controles e contrapartidas sociais e ambientais para mitigação de impactos, por exemplo, a limitação de estoques de potencial construtivo por eixos, a retirada de áreas frágeis de interesse urbanístico e ambiental do território sujeito a verticalização e adensamento, e muitos outros itens que poderão comprometer um futuro sustentável e resiliente ao clima na cidade de São Paulo.
Compensações
O vereador Rodrigo Goulart, apresentou um substitutivo elaborado pela Associação Brasileira da Indústria da Construção ABRAINC, que atende apenas aos interesses do setor. Essa verdadeira entrega da cidade ao mercado imobiliário, ficou ainda mais escancarada pelo vazamento de uma cobrança do vereador Adilson Amadeu ao SECOVI, pedindo compensações para eleger o prefeito Ricardo Nunes, na última segunda feira: cobra uma “contrapartida” para ajudar na reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), pela proposta de revisão do Plano Diretor da cidade. “ “Digo isso pois politicamente se estabeleceu nesta oportunidade um ônus político pesado ao amigo prefeito Ricardo Nunes, e desta forma questiono o que o Secovi fará para ajudar o nosso prefeito em sua reeleição?”
Desmonte do modelo de urbanizaçao
Entre muitas outras alterações que desmontam completamente o modelo de urbanização, proposto pelo PDE 2014, amplia-se as áreas de influência dos EETU de 600 para 1.000 metros no raio de estações de metrô, e de 150 para 450 metros, ao longo dos eixos dos corredores de ônibus, que aumentará em cerca de 150% o território da cidade a ser adensado e verticalizado, com maior número de garagens e com altura ilimitada das edificações. Como um dos resultados, colocará em risco a capacidade de suporte dos sistemas de transportes.
Miolo dos bairros serão eliminados
Com a ampliação proposta para as áreas dos EETU o substitutivo praticamente eliminará os miolos de bairros no centro expandido, e ainda, ao aumentar os coeficientes de aproveitamento construtivo de 2 para 3 em toda a zona mista da cidade, com os limites de gabarito alterados no miolo dos bairros. Se quiser avaliar o estrago que o substitutivo poderá provocar no seu bairro consulte o mapa interativo elaborado pelo LabCidades da FAU/USP no site https://www.labcidade.fau.usp.br/entenda-a-proposta-de-verticalizacao-generalizada-do-substitutivo-do-plano-diretor-de-sao-paulo/
Interesses privados
O substitutivo ao atender exclusivamente aos interesses privados, coloca em risco o patrimônio público da cidade, ao criar uma Zona de Concessão para conceder areas e equipamentos municipais para o setor privado (Anhembi, Interlagos, Cemitérios, mercados etc.) onde poderão ser possíveis usos hoje não permitidos: Ginásio do Ibirapuera, Anhembi, Interlagos, Pacaembu entre outras Zonas de Ocupação Especial – ZOEs.
Sem estudos de impacto urbano ou ambiental
E isso tudo ocorre sem que nenhum estudo de impacto urbano ou ambiental, ou de capacidade suporte tenha sido apresentado para justificar essa proposta. Isso é novidade? Infelizmente não, uma vez essa tem sido a tônica nos Projetos de Intervenção Urbana – PIUS e na imposição dos limites dos EETU sem considerar os grandes impactos ambientais em curso na maioria dos bairros e subprefeituras, como Pinheiros, Vila Mariana, Perdizes, Butantã e outras, e sem atender os riscos climáticos a que estão submetidas as periferias socialmente vulneráveis da cidade.
Grandes transformações urbanísticas
Os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana deveriam depender de estudos urbanísticos e de impacto ambiental prévios à sua implementação. Conforme já aceito por uma juíza no caso do questionamento dos EETU em uma Ação Civil Pública pela Associação de Moradores da Vila Mariana, essas grandes transformações urbanísticas geram impactos significativos e pela legislação ambiental devem ser objeto de EIA e RIMA elaborado pelo proponente, ou seja, a Prefeitura Municipal, para ser avaliado nos seus limites e na sua viabilidade técnica! Ou seja, os Eixos de Transformação da Estruturação Urbana deveriam ser aprovado caso a caso, aplicando-se a estes, uma avaliação dos seus impactos ambientais e urbanísticos obrigatórios pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA 001/1986 e pela Constituição federal de 1988, e ainda, por uma Avaliação Ambiental Estratégica dessas transformações, estudo que consta do próprio Plano Diretor e que ainda não foi regulamentado.
Eixos definidos no PDE
O PL do executivo mantinha de forma irredutível os atuais limites dos eixos definidos no PDE 2014, mas, já não atendia as principais questões contemporâneas colocadas pela sociedade civil, e dependia muito das emendas ao PL, elaborados com a participação da sociedade civil e vereadores de oposição, para que a Revisão do Plano Diretor garanta metas para Habitação Social, Transportes, Planos de Bairro, e para ampliar a resiliência e adaptação da cidade às mudanças climáticas, em aspectos como a drenagem urbana e a implantação efetiva dos novos parques previstos no plano.
O risco das chuvas e inundações que à exemplo do ocorrido no bairro de Moema em março de 2023, encontram a cidade de São Paulo já muito vulnerável, pouco resiliente, e despreparada para enfrentar a emergência climática, e os riscos e impactos decorrentes desses eventos de chuvas extremas e ondas de calor e seca.
Maiores emissores de CO2
As demolições promovidas em grande escala, por essas autorizações presentes no Substitutivo, sem exigência de reciclagem, para novas construções, e baseados no altíssimo consumo de cimento para as concretagens, que é um dos maiores emissores de CO2, ferem os compromissos internacionais assinados pela Prefeitura. Compromissos de atender as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030 e de zerar as emissões até 2050, serão quebradas com as medidas incluídas no substitutivo. Os novos edifícios na cidade, deviam no mínimo ter que ser obrigados a reciclar os materiais de demolição, para sua implantação e também a compensar suas emissões de CO2, causadores do aquecimento global!
Inundações e vulnerabilidade
Nessas últimas chuvas e inundações a cidade mostrou sua total vulnerabilidade com morte em Moema, e perdas materiais em vários bairros da cidade, e com o agravamento das situações de risco climáticos nas periferias socialmente vulneráveis. Existem cerca de 700 áreas de risco de inundação e 407 áreas de risco de escorregamento com dados do IPT de 2010. Cerca de 150 mil pessoas estão ameaçadas e que tem suas moradias nessas áreas Esses mapeamentos, elaborados em 2010 sobre áreas de risco e vulneráveis, não foram atualizados no Plano de Ação Climática, e sequer são mencionadas as estratégias para enfrentá-las no Plano Diretor Estratégico.
Manipulação
Ante essa explicita demonstração de manipulação do processo participativo e do conteúdo original do PDE 2014, é louvável a iniciativa da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) que entrou com representação no Ministério Público de São Paulo contra o vereador Adilson Amadeu (União Brasil-SP), solicitando que o órgão instaure inquérito para apurar possíveis irregularidades relacionadas à votação da Revisão do Plano Diretor em São Paulo.
Mandado de segurança
A vereadora Silvia da bancada feminista do PSOL anunciou que vai ajuizar um mandado de segurança por parte dos vereadores da Câmara para suspender a tramitação. Tem sido exemplar o posicionamento da bancada de vereadores do PSOL ao reagir contra essa manipulação dos interesses da sociedade para atender exclusivamente a agenda do setor imobiliário em busca de apoio eleitoral, cometendo um crime contra um futuro inclusivo, sustentável e resiliente para a cidade de São Paulo.
Interesses imobiliários ameaçam a segurança ambiental
Com esse substitutivo, os excessos decorrentes do interesse imobiliário, ameaçam a segurança ambiental e a resiliência da cidade, à crise climática. Nesse contesto, é urgente a suspensão da tramitação da Revisão do PDE na Câmara Municipal, ante as irregularidades observadas no processo participativo, e aos graves ilegalidades em relação ao conteúdo, uma vez que já está programada a segunda votação, que pode consolidar esse verdadeiro crime contra o futuro da cidade de São Paulo.
*Ivan Maglio é engenheiro civil, Doutor em Saúde Ambiental, pesquisador do Cidades Globais do IEA e do Laboratório de Áreas Verdes da FAU USP.
Artigo publicado originalmente na Gazeta de Pinheiros no dia 7 de junho de 2023.
Foto: Diogo Moreira/ Governo de São Paulo